Estive, há tempos, num congresso em Braga onde assisti a uma palestra de Adela Cortina, filósofa espanhola, especialista em Ética.
Houve uma frase dela que mereceu longos e vibrantes aplausos: dizia que a existência de pobres no mundo seria sempre uma derrota para a Economia como ciência, uma derrota dos economistas.
Por outras palavras: a pobreza está para a Economia como uma ponte mal construída para a engenharia civil ou o Manuel Luís Goucha para a testosterona.
Quando a prestigiada filósofa disse aquilo lembrei-me logo de Marx. Não enquanto economista derrotado mas enquanto economista esquecido.
Marx foi um grande economista e um razoável filósofo. Mesmo que na sua principal obra, O Capital, tenha abandonado a linguagem filosófica do "jovem Marx", dificilmente imaginamos a crítica marxista ao modo de produção capitalista, sem uma referência ética e política por detrás.
20 anos depois da queda do muro de Berlim, é chegada à altura de ressuscitar o grande intelectual alemão. Antes, teria sido difícil por causa do pesadelo do "socialismo real". Dizia-se "Marx" e atiravam-nos logo com a Albânia e a Roménia como ovos podres, mais os milhões de vítimas da construção de um mundo novo na URSS, na China ou no Camboja.
Hoje, já sem esses pesadelos que faziam o nosso mundo liberal e capitalista parecer um Eldorado social e político, poderemos voltar novamente a concentrarmo-nos nos nossos próprios pesadelos nos quais a Economia funciona independente da política, onde o dinheiro, a finança, o capital, se sobrepõem a todos os valores.
Daí ter gostado, há dias, de ouvir Sérgio Ribeiro falar de Marx durante um debate económico. Porque voltar a falar de Marx significa voltar a colocar a política, a ideologia, a ética, como motores de toda a discussão.
Eu acho muito piada ver economistas a falar de economia. Divirto-me sempre imenso. Claro que depois não aguento e acabo sempre por adormecer. Parecem engenheiros mecânicos a falar sobre a linha de montagem de uma fábrica. O seu mundo é um mundo neutro, objectivo, com leis próprias. Falam do Mercado como um biólogo fala da natureza ou Rui Santos do 4x4x2.
Obviamente que a política nunca se fez sem a economia. Mas nunca, como hoje, se fez tanta economia sem a velha política. É este ciclo que urge inverter.
Claro que já não se pode ser marxista como se era há 30 anos, do mesmo modo que nem a Catherine Deneuve nem o Benfica são os mesmos de há 30 anos. Nada mesmo é como há 30 anos: Amália morreu, Carlos Lopes engordou, Maria Barroso converteu-se ao cristianismo e eu próprio também já não me sinto lá muito bem.
Já não há mais virgindades para perder, conhecemos bem os erros da História, as cegueiras ideológicas. Aliás, vivemos mesmo num tempo onde os "ismos", enquanto visões globais do mundo, não se conseguem aguentar. Aliás, hoje, pouca coisa no mundo se consegue aguentar , excepto os pobres de sempre.
Quando Adela Cortina, perante a existência da fome, da pobreza, da miséria, falava de uma derrota da Economia, não era bem de uma derrota da Economia que devia ter falado. A derrota é sempre da política, pois a economia é sempre política e, por muito científica que queira ser e parecer, tem sempre a marca da ideologia.
Claro que a Economia está cheia de fórmulas, de leis, de causas e efeitos, de fenómenos previsíveis. Há fenómenos económicos que só cientificamente poderão ser compreendidos e estudados.
Mas, em última instância, as grandes decisões económicas remetem sempre para questões morais e existenciais. Meter o dinheiro a ditar as suas próprias leis em Estados politicamente frágeis e amorais, significa entregar os seres humanos às suas próprias fraquezas e vícios.
O bezerro de ouro não dá para todos. E Marx, que era judeu, sabia isso melhor que ninguém.
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