No final da década de oitenta do século passado, quando frequentava o 12º ano, na disciplina de filosofia, era obrigatório ler o “Manifesto do Partido Comunista de K. Marx e F. Engels, de 1848”.
Para mim, educado no contexto do catolicismo tradicional, ler tal obra constituía um desafio.
Após ter procurado em todas as livrarias da terra, constatei que o livro se encontrava esgotado, pelo que contei o sucedido ao professor da referida disciplina, que me aconselhou a adquirí-lo na sede do PCP, na Rua da Carreira...
Foi assim com um sentimento de transgressão que me decidi a lá entrar e a comprar este livro, que li de enfiada, e que me marcou indelevelmente.
Ao folheá-lo novamente me dei conta que era Primeira Tradução Portuguesa do “Manifesto do Partido Comunista”, de Vasco Magalhães-Vilhena, Lisboa, de Março de 1975.
Por isso, nesta data que se comemoram os 160 anos da publicação desta obra, foi uma oportunidade de relê-la com outra maturidade e experiência de vida.
Como diz François Houtart, marxista católico e sociólogo belga, "para alguns, alguém começa a usar a análise marxista e acaba, evidentemente, em ateísmo. Para mim, isso é totalmente falso porque o marxismo é um método de análise e também de acção, e é o melhor tipo de análise que temos no momento para explicar a dinâmica social e a estrutura de classes".
Por ter vivido num contexto de grandes transformações sociais e políticas ( Revolução Francesa, Revolução Industrial, etc.), e ter feito estudos aprofundados no campo da filosofia, da história, do direito, e da economia política ( Adam Smith, David Ricardo, etc.), Marx intuiu e formulou conceitos fundamentais,que mantêm plena actualidade, e podem e devem ser lidos à luz da nossa realidade histórica actual.
1)A luta de classes.
“Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, mestre de corporação e
oficial, numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada, uma guerra que termina sempre, ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das classes em luta.”
2)A burguesia
“A burguesia despojou de sua auréola todas as atividades até então reputadas veneráveis e encaradas com piedoso respeito. Do médico, do jurista, do sacerdote, do poeta, do sábio fez seus servidores assalariados. A burguesia rasgou o véu do sentimentalismo que envolvia as relações de família e reduziu-as a simples relações monetárias.”
3)O Proletariado
“A classe dos operários modernos, que só podem viver se encontrarem trabalho e que só o encontram na medida em que este aumenta o capital. Esses operários,constrangidos a vender-se diariamente, são mercadoria, artigo de comércio como qualquer outro; em conseqüência, estão sujeitos a todas as vicissitudes da concorrência, a todas as flutuações do mercado.”
4) Capital e Trabalho
A condição essencial da existência e da supremacia da classe burguesa é a acumulação da riqueza nas mãos dos particulares, a formação e o crescimento do capital; a condição de existência do capital é o trabalho assalariado. Ser capitalista significa ocupar não somente uma posição pessoal, mas também uma posição social na produção. O capital é um produto coletivo: só pode ser posto em movimento pelos esforços combinados de muitos membros da sociedade, e mesmo, em última instância, pelos esforços combinados de todos os membros da sociedade. O capital não é, pois, uma força pessoal; é uma força social.
6) A Família e Educação
“As declamações burguesas sobre a família e a educação, sobre os doces laços que unem a criança aos pais, tornam-se cada vez mais repugnantes à medida que a grande indústria destrói todos os laços familiares do proletário e transforma as crianças em simples objetos de comércio, em simples instrumentos de trabalho. (...)Para o burguês, sua mulher nada mais é que um instrumento de produção. (...) Nossos burgueses, não contentes em ter à sua disposição as mulheres e as filhas dos proletários, sem falar da prostituição oficial, têm singular prazer em cornearem-se uns aos outros. O casamento burguês é, na realidade, a comunidade das mulheres casadas.”
8) A Ideologia e a Consciência Individual
“Será preciso grande perspicácia para compreender que as idéias, as noções e as concepções,numa palavra, que a consciência do homem se modifica com toda mudança sobrevinda em suas condições de vida, em suas relações sociais, em sua existência social? Que demonstra a história das idéias senão que a produção intelectual se transforma com a produção material? As idéias dominantes de uma época sempre foram as idéias da classe dominante.(...)Quando o mundo antigo declinava, as velhas religiões foram vencidas pela religião cristã; quando, no século XVIII, as idéias cristãs cederam lugar às idéias racionalistas, a sociedade feudal travava sua batalha decisiva contra a burguesia então revolucionária. As idéias de liberdade religiosa e de liberdade de consciência não fizeram mais que proclamar o império da livre concorrência no domínio do conhecimento.”
9) O Partido
“Os comunistas apoiam em toda parte qualquer movimento revolucionário contra o estado de coisa social e político existente. Em todos estes movimentos, põem em primeiro lugar, como questão fundamental, a questão da propriedade, qualquer que seja a forma, mais ou menos desenvolvida, de que esta se revista. Finalmente, os comunistas trabalham pela união e entendimento dos partidos democráticos de todos os países.
10) Aplicação prática e circunstâncias históricas concretas
Karl Marx e Friedrich Engels, escreviam em Londres, a 24 de Junho de 1872, no prefácio à edição alemã do Manifesto:
“ Embora a situação se tenha alterado nos últimos vinte e cinco anos, os princípios gerais desenvolvidos neste Manifesto ainda hoje, no seu todo, conservam a sua plena a justeza.(...)A aplicação prática destes princípios, como o próprio Manifesto torna claro, dependerá sempre e em toda a parte das circunstâncias históricas concretas(...)Face ao imenso desenvolvimento da grande indústria nos últimos vinte e cinco anos e, a par dele, ao progresso na organização do partido da classe operária, face às experiências práticas, primeiro da Revolução de Fevereiro, e muito mais ainda da Comuna de Paris – na qual pela primeira vez o proletariado deteve o poder político pela primeira vez-, este programa está hoje,num passo ou noutro, obsoleto. A Comuna forneceu a prova de que a classe operária não pode limitar-se a tomar conta da máquina de Estado que encontra montada e a pô-la em funcionamento para atingir os seus objectivos próprios.”